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O mito de Hydra e as subvenções para investimento Tarcísio Tamanini*

Não são incomuns os temas jurídicos que perduram na justiça sem uma
resolução definitiva. No campo tributário, o exemplo mais clássico é o
julgamento do Tema 69 de repercussão geral, em que o STF demorou mais de
20 anos para definir se o ICMS compõe ou não a base de cálculo do PIS e
Cofins. A falta de resolução do processo acarretou em um provisionamento
para a União de mais de 300 bilhões de reais e um prejuízo incalculável aos
contribuintes que tiveram que conviver com a indefinição desse tema por
anos.
A realidade é que exemplos como esse constroem o cenário de insegurança
jurídica no Brasil e, infelizmente, não são exceção, de modo que discussões
prolongadas não deveriam mais causar surpresas. Contudo, mesmo com essa
conjuntura conturbada, a discussão a respeito da tributação de tributos
federais (IR/CSLL, PIS/Cofins) sobre benefícios fiscais de ICMS inaugurou um
novo capítulo na história da insegurança jurídica, pois essa matéria, além de
controvertida, caminha em um sentido na esfera administrativa e em outro
completamente diferente na esfera judicial.
Explica-se. No julgamento do ERESP nº 1.517.492/PR, o STJ pacificou o
entendimento de que os benefícios fiscais de ICMS não devem ser incluídos na
base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A decisão citada baseou-se no
entendimento de que a tributação federal sobre os incentivos concedidos
pelos Estados prejudica a autonomia desses na definição da política fiscal, em
ofensa aos princípios que regem a Federação.
O STF também já se posicionou sobre o tema. No julgamento do Recurso
Extraordinário nº 835.818, o Supremo formou maioria para determinar que os
créditos presumidos de ICMS não compõem a base de cálculo de PIS e COFINS,
pois não representam receita, já que não expressam riqueza nova ou
capacidade contributiva, por se tratarem de simples redução de custo.
Embora esse acórdão trate apenas de crédito presumido, seus fundamentos
são plenamente aplicáveis aos outros incentivos de ICMS, uma vez que
créditos presumidos são uma espécie de incentivo.
Dessa forma, tem-se que as duas cortes superiores possuem entendimentos de
que benefícios fiscais de ICMS não podem ser tributados por tributos federais,
pois essa arrecadação feriria diversos princípios, no caso do IR/CSLL, o
federativo, e para PIS e Cofins, o próprio conceito de receita e capacidade
contributiva.
Era de se esperar, portanto, que as discussões com o fisco caminhassem para
enfrentar esses pontos. Todavia, esse assunto possui uma particularidade, pois
a discussão no âmbito administrativo ganhou contornos completamente
distintos, que em nada dialogam com o enfrentado nos tribunais superiores,
tendo em vista a caracterização que a legislação faz dos benefícios fiscais de
ICMS.
Diferentemente das posições do STF e STJ, as normas que regulamentam esse
tema fazem uma separação entre benefícios fiscais para fins de tributação
sobre o lucro e a receita. Em resumo, os incentivos denominados como
subvenções para custeio são tributados e os denominados como subvenções
para investimento não, desde que registrados na reserva de lucro e não sejam
distribuídos aos sócios.
O artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, que trata do IR/CSLL define subvenções
para investimento como aquelas concedidas como estímulo à implantação ou
à expansão de empreendimentos econômicos. Nessa esteira, a Receita Federal
construiu um entendimento muito restritivo, considerando subvenção para
investimento apenas os incentivos com intenção de estimular
empreendimentos econômicos e que efetivamente tivessem destinação para
concretização dessa intenção, através da comprovação pelo contribuinte do
controle contábil apurado. Esse é o teor do Parecer Normativo CST nº 112, de
1978, absorvido posteriormente pela IN 1700/2017.
Recentemente, a Lei Complementar nº 160/2017 acresceu o § 4º ao artigo 30
da Lei nº 12.973/2014, dispondo que os incentivos fiscais de ICMS são
considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros
requisitos não previstos no próprio artigo 30.
De fato, a nova lei veio a pacificar a matéria, trazendo uma solução favorável
aos contribuintes e encerrando a antiga classificação entre subvenção para
investimento e custeio, afirmando que todo incentivo fiscal de ICMS é
subvenção para investimento e afastando a tributação do IR, CSLL, PIS e
Cofins.
Contudo, manifestando-se sobre o tema por meio da Solução de Consulta Cosit
nº 145/2020, a RFB afirmou que, em sua interpretação, para que o benefício
fiscal atenda aos requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, deve
ser concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos
econômicos, não reconhecendo o impacto da mudança legislativa.
Esse entendimento da Receita Federal já tem gerado litígios entre fisco e
contribuintes. Contudo, tendo como premissa que os temas de maiores
polêmicas tributária se resolvem de maneira definitiva no judiciário, é
possível que, diante da atual jurisprudência do STJ e STF, não haja uma
definição sobre a questão, pois, como já explicado, para as cortes superiores,
são irrelevantes os conceitos de subvenção para custeio e investimento na
tributação de benefícios fiscais de ICMS pela União.
A insistência do fisco federal na tributação de benefícios fiscais de ICMS vem
se transformando em uma verdadeira luta contra a Hydra de Lerna. Segundo o
mito grego, era improfícuo cortar uma das cabeças de serpente do monstro,
pois outras cresciam em seu lugar. Mesmo que a Receita Federal insista na
classificação de subvenção para investimento e custeio, negando a mudança
trazida pela LC 160/17 e reafirmando a tributação do IR/CSLL, PIS/Cofins,
ainda há uma outra cabeça a ser cortada, que é o convencimento dos
tribunais superiores de que a tributação não fere o princípio da separação dos
poderes e capacidade contributiva.
*Tarcísio Tamanini é pós-graduando em contabilidade IFRS pela FIPECAFI,
especialista em Direito Tributário pelo IBDT, bacharel em Direito pela USP e
Líder de Inovação da LacLaw Consultoria Tributária.

 

Fonte* Estadão

 

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